O QUE É A INTELIGÊNCIA?

O que e a inteligencia - centro SEI

A inteligência é como o paraquedas: só funciona se estiver aberta.”

R. Dewar

É hoje consensual entre os investigadores que as crianças não vêm ao mundo como autómatos geneticamente programados, colocando a ênfase na importância da natureza, nem como uma tábua rasa à mercê do ambiente, o que coloca a ênfase na importância da cultura. 

Por outras palavras, o antigo debate que motivou gerações de filósofos, de se é a natureza ou a cultura que comanda o processo de desenvolvimento e crescimento, já não interessa à maioria dos cientistas. Atualmente a questão é: Como é que a natureza e a educação interagem para produzir mudanças desenvolvimentais

Assim, como nos sugere Greespan, a interação entre as duas grandes forças geradoras do desenvolvimento em geral, e da inteligência em particular, a natureza e a cultura, “Não é uma competição, é uma dança”.

Para além da independência da polaridade entre natureza e cultura ou hereditariedade e educação, é fundamental realçar que o facto de usarmos a palavra inteligência tão frequentemente nos leva a acreditar na sua existência como uma entidade concreta, estável e mensurável.

No entanto, a palavra inteligência é na verdade uma forma conveniente de nomearmos alguns fenómenos que podem ou não existir e que nós nunca observamos diretamente como um poder, apenas o fazemos através das suas várias realizações ou manifestações.

Sendo, como é, um conceito tão pouco consensual e com tantas e diversificadas abordagens, não é nossa intenção apresentar nenhuma definição de inteligência e iremos apenas partir de alguns aspetos da sua natureza para tentar perceber o que ela é.

Deste modo, partiremos da sugestão de Feuerstein & Kozulin de que a inteligência é complexamultidimensional e modificável, para, com referência a alguns autores, contribuirmos para o entendimento do que é a inteligência. 

 

A Complexidade da Inteligência

Para tentar perceber a complexidade da inteligência, o contributo da Teoria Triárquica da Inteligência (TTI) de Sternberg é fundamental, pois compreende três subteorias, nomeadamente a Componencial, a Experiencial e a Contextual, cada uma das quais lidando com diferentes aspetos da inteligência.

Começando com a subteoria componencial, esta relaciona o conceito de inteligência com o mundo interno da criança, ou seja, está orientada para a abordagem dos mecanismos mentais que suportam o comportamento inteligente.

Chama-se assim a atenção para a importância de considerarmos as competências e os estilos cognitivos próprios de cada criança, bem como de os respeitarmos durante todo o processo educativo

Assim, para além de perceber o que a criança consegue fazer, trata-se de perceber e respeitar o que ela prefere fazer, capitalizando deste modo as competências que tem e o modo como prefere utilizá-las.

Ao contrário da subteoria componencial, que como vimos relaciona o conceito de inteligência com o mundo interno da criança, a subteoria contextual procura relacionar a inteligência com o mundo externo da criança, ou seja, preocupa-se com a atividade mental que permite alcançar um ajustamento ao contexto e não com a atividade física ou com as influências externas que podem facilitar ou impedir a atividade no contexto.

Dá-se assim preferencialmente ênfase à atividade mental da criança que tenta adaptar-se e não existe uma preocupação em verificar se a criança conseguiu ou não a adaptação a uma determinada situação.

Deste modo, esta subteoria tem por trás de si uma orientação e preocupação com o processo e não com o produto, pois é mais importante perceber como a criança aprende e aplica o que aprende em diferentes situações, do que medir em termos absolutos o resultado obtido.

Passando agora à subteoria experiencial, esta defende que as tarefas são diferencialmente boas como reflexos da inteligência não apenas em função das componentes envolvidas, mas também em função da existência ou não de familiaridade com as tarefas por parte da criança que as realiza.

Deste modo, podem existir pelo menos dois pontos específicos do contínuo de experiências vividas pela criança, que são: 

– Quando as tarefas são relativamente novas ou inéditas na experiência da pessoa, ou, pelo contrário; 

– Quando as tarefas são tão habituais que o seu desempenho se está a tornar automático e, portanto, essencialmente inconsciente.

Com base nesta posição torna-se evidente que devemos perspetivar cada criança de modo isolado, comparando-a com ela própria (avaliação a critério) e não fazendo a comparação com médias gerais (avaliação à norma).

Tal afirmação leva-nos assim à noção de que seria de uma profunda injustiça avaliar do mesmo modo uma criança que conhece um determinado assunto e uma outra que nunca ouviu falar dele, pois se por um lado as tarefas complexas podem ser efetuadas com facilidade apenas porque muitas das operações implicadas na sua realização já foram automatizadas, por outro, as tarefas ou situações que estão fora da experiência quotidiana individual e são diferentes de outras tarefas que a criança já realizou exigem uma participação intensa e voluntária das componentes da inteligência.

Em síntese, a TTI sugere que o comportamento inteligente ocorre quando as componentes intelectuais de cada criança são aplicadas às suas experiências para que aquela se organize e estruture o contexto atual, com o objetivo de melhorar a compatibilidade entre as necessidades e as potencialidades de cada um – criança e contexto. 

 

A Multidimensionalidade da Inteligência

Para a multidimensionalidade da inteligência, a Teoria das Inteligências Múltiplas (TIM) de Gardner parece-nos ser elucidativa quanto ao facto de a inteligência não poder ser vista como algo unidimensional e singular.

Assim, partindo da definição de inteligência como habilidade de resolver problemas, ou criar produtos, que sejam valorizados num ou mais envolvimentos culturais, a TIM vem pluralizar o conceito tradicional de inteligência, pois mesmo sendo um conceito válido para descrever algumas capacidades de certas crianças, ele parece ignorar muitos outros talentos individuais notáveis.

Por exemplo os testes que proporcionam a evidência de um fator geral de inteligência são quase exclusivamente testes que envolvem a linguagem e a lógica, deixando de fora outras competências da criança, como são o domínio das relações interpessoais, espaciais ou corporais, etc..

Assim, nos seus trabalhos Gardner afirma que todos os seres humanos são capazes de, pelo menos, oito diferentes modos de conhecer o mundo, ou seja, todos os seres humanos normais desenvolvem pelo menos oito inteligências. 

O mesmo autor refere que, de acordo com esta formulação, todos nós estamos aptos a conhecer o mundo através da linguagem, da análise lógico-matemática, da representação espacial, do pensamento musical, do uso do corpo ou de partes dele para resolver problemas ou para fazer coisas, de uma compreensão de outros indivíduos e de uma compreensão de nós mesmos, bem como de uma compreensão da natureza ou da nossa existência como seres conscientes.

Gardner refere também que quase todas as situações culturais utilizam mais do que uma inteligência e ao mesmo tempo nenhuma prestação pode ser realizada simplesmente através do exercício de uma única inteligência.

Uma vez que, como afirma Gardner, todas as inteligências são parte da herança genética humana, então todas elas se manifestam em todas as crianças em algum nível básico, independentemente da educação ou do apoio cultural. Assim, para o mesmo autor, todos os seres humanos possuem certas capacidades essenciais em cada uma das inteligências.

Em termos de desenvolvimento cada uma destas inteligências segue uma determinada trajetória natural e, partindo desta evolução, é natural que o papel da instrução em relação à manifestação de uma inteligência mude ao longo da sua trajetória desenvolvimental, pois a intervenção deve ser feita à luz das trajetórias desenvolvimentais das inteligências.

Assim, as crianças beneficiam de uma instrução explícita somente se a informação ou o treino estiver ajustado ao seu estádio específico na progressão desenvolvimental, ou, pelo contrário, não têm qualquer benefício se um determinado tipo de instrução for precoce ou tardia demais em relação a essa progressão ou não se preocupar com a sua competência/inteligência.

Para Gardner as crianças possuem quantidades variadas destas inteligências, combinam-nas e usam-nas de modos pessoais e idiossincráticos, pois do mesmo modo que todos nós parecemos diferentes e exibimos personalidades diferentes, também possuímos tipos de mentes diferentes.

Gardner acrescenta ainda que pode acontecer que uma criança não seja especialmente bem dotado em nenhuma das inteligências e, contudo, em virtude de uma determinada combinação ou mistura das suas capacidades, pode conseguir realizar singularmente bem certas tarefas 

Por outro lado, refere que existe uma independência entre as inteligências, o que se traduz na possibilidade de um alto nível de capacidade numa inteligência não requer um nível igualmente alto em outra inteligência.

Assim, segundo Gardner (1994), a diferença entre as crianças surge a dois níveis principais: (a) no vigor destas inteligências - o perfil de inteligências de cada criança, e (b) na forma como cada criança invoca e combina tais inteligências para realizar tarefas, resolver problemas e progredir em várias áreas.

O que atrás vem sendo dito acerca da TIM pode ter implicações decisivas a vários níveis, particularmente no que se refere aos modos pelos quais executamos as nossas intenções educativas.

Assim, é fácil perceber que até agora a instrução formal da maioria das escolas na maioria das culturas enfatizou exclusivamente uma certa combinação das inteligências linguística e lógico-matemática, com eventuais prejuízos para aquelas crianças com capacidades em outras inteligências.

Não obstante aquela ser considerada uma combinação indubitavelmente importante para dominar as tarefas da escola, Gardner refere que fomos muito longe ao ignorar as outras inteligências, pois ao minimizar a importância dessas outras inteligências dentro e fora da escola:

- levamos muitas crianças à crença de que são tolos, apenas porque fracassam em exibir a combinação “adequada”, e 

- não tiramos vantagens dos modos pelos quais as múltiplas inteligências podem ser exploradas para atingir de modo mais amplo as metas da escola e da cultura.

Procurando dar resposta a esta situação, Gardner propõe que a organização da escola ideal do futuro se deve basear em duas suposições:

  • A primeira delas é de que nem todas as crianças têm os mesmos interesses e habilidades e nem todas aprendem da mesma maneira;

  • A segunda suposição é a de que, atualmente, ninguém pode aprender tudo o que há para ser aprendido.

Portanto, esta escola centrada na criança teria que ser rica na avaliação das capacidades e tendências individuais para procurar adequar às crianças tanto as áreas curriculares como as maneiras particulares de ensinar esses assuntos. 

O referido autor acrescenta ainda que mesmo depois dos primeiros anos a escola também deveria procurar adequar às crianças os vários tipos de vida e de opções de trabalho existentes na sua cultura.

Deste modo, uma educação construída sobre as múltiplas inteligências poderá ser mais efetiva que uma construída apenas sobre duas inteligências, pois permite desenvolver uma gama mais ampla de talentos e permite tornar o currículo-padrão acessível para uma maior quantidade de crianças.

 

A Modificabilidade da Inteligência

Tal como o seu nome indica a Teoria da Modificabilidade Cognitiva (TMC) de Feuerstein é o modelo escolhido por nós para explicar a modificabilidade da inteligência, pois é um modelo que para além de nos permitir entender o funcionamento das componentes da inteligência (funções cognitivas), nos permite avaliar e melhorar os processos da inteligência.

Como o próprio autor refere, a TMC representa o começo de um novo paradigma que pretende rever diferentes teorias da psicologia e da educação, pois a filosofia em que se fundamenta envolve a necessidade de se saber como utilizar as diferentes modalidades de pensamento humano.

Os seus efeitos no campo da educação e da psicologia passam, segundo Feuerstein, pela necessidade de considerar a inteligência como algo que se pode aprender e não como algo fixo. Deste modo, a resposta à questão “É possível aprender a ser inteligente?”, é, evidentemente, SIM.

Mas para que esta seja a resposta é necessário considerar a modificabilidade como uma característica da inteligência humana, sendo igualmente importante ensinar ao ser humano a ser inteligente pelo aproveitamento da sua flexibilidade e autoplasticidade.

Em termos mais gerais, Feuerstein refere mesmo que, embora parecendo um paradoxo, a modificabilidade é a característica das características, a única permanente, não havendo nada mais estável que a própria modificabilidade. Por outras palavras, o que o ser humano tem de estável é a sua capacidade para mudar e de estar sempre aberto às modificações.

Segundo o mesmo autor, um outro aspeto digno de relevo é o facto de a modificabilidade negar absolutamente a possibilidade de predizer o desenvolvimento humano ou a classificação dos seres humanos, pois podem ocorrer modificações inesperadas, tanto de sentido positivo como negativo, resultantes de um ato da vontade. 

Assim, Feuerstein define modificabilidade de uma criança como “a capacidade de partir de um ponto do seu desenvolvimento, num sentido mais ou menos diferente do previsível até agora, segundo um desenvolvimento mental”, sendo uma característica humana esta capacidade para seguir uma direção não prevista.

O mesmo autor avança mesmo que, tanto do ponto de vista teórico como prático, todas as crianças são modificáveis, ou seja, as crianças são sempre capazes de se modificar, inclusivamente tendo em conta a sua etiologia, a sua idade e a sua condição - três aspetos geralmente considerados como criadores de dificuldades insuperáveis. 

Pensando agora nas implicações educativas desta teoria, Feuerstein diz-nos que se o sistema escolar desenvolve os seus programas e currículos de acordo com objetivos específicos estabelecidos para a população que servem, então é essencial que, antes de estabelecerem os objetivos, organizarem os alunos, planearem os currículos, escolherem o material didático e selecionarem quem vai ensinar, os educadores respondam a três questões básicas:

1ª - A Modificabilidade Cognitiva é uma função crucial e legítima da educação?

2ª - A Modificabilidade Cognitiva é possível?

3ª - Se a Modificabilidade Cognitiva é tanto essencial como possível, como pode ela ser levada a cabo de modo eficiente e económico?

Para responder à primeira questão Feuerstein refere que a atual ênfase no desenvolvimento das habilidades do pensamento crítico reflete o reconhecimento de que as crianças têm de ser capazes de lidar com as novas e rápidas mudanças envolvimentais.

No entanto, o mesmo autor refere que, apesar de importante, a aquisição do pensamento crítico não é suficiente para a adaptação a situações novas e complexas, pois esta adaptação requer uma flexibilidade interna.

Assim, adianta que é a presença das funções cognitivas adequadas e o controlo dessas funções que permite à criança viver numa sociedade tecnológica na qual os avanços são tão rápidos que muita da informação adquirida na escola se torna obsoleta antes de poder ser aplicada.

No que se refere à segunda questão, Feuerstein apresentam-nos resultados de pesquisas onde são utilizados diversos programas de intervenção ao nível da inteligência, que suportam a hipótese de que a modificabilidade cognitiva não é apenas possível, mas é também quase dramaticamente fácil de levar a termo.

Deste modo, para este autor a visão de que o ser humano é um sistema aberto que pode ser modificado, deve ser motivo de reflexão na prática educativa.

Por fim, para que a modificabilidade cognitiva seja levada a cabo com sucesso e as crianças aprendam a aprender, os educadores, ocupando um papel chave na tentativa de modificar a estrutura cognitiva, têm de desenvolver e investir em programas de intervenção que afetem o destino dos seus educandos. 

 

Algumas reflexões finais

Procurando fazer agora uma breve reflexão, gostaríamos de começar por deixar claro que pensamos que estas três teorias da Inteligência têm uma importância fundamental para que possam ser criadas estratégias complexas, multidimensionais e modificáveis de criação de melhores condições de ensino, de educação e de aceitação dos outros.

Por seu lado, pensando no papel de educadores dos pais, gostaríamos de reforçar algumas ideias que consideramos fulcrais:

  • É fundamental perceber quais são os estilos cognitivos dos nossos filhos, ou seja, para além de perceber o que é que os nossos filhos gostam de fazer, é importante entender como é que eles o conseguem fazer e quais são as competências envolvidas.

  • Devemos preocupar-nos mais com o modo como os nossos filhos aprendem e resolvem os problemas do que o produto dessa aprendizagem e resolução, pois enquanto os processos permanecem e são generalizáveis, o produto esgota-se nele próprio.

  • É aconselhável não comparar os nossos filhos com médias frias e impessoais, e, pelo contrário, devemos procurar perceber quais são as suas características particulares e intrínsecas, de modo a podermos perspetivar de modo afetivo e personalizado a sua evolução, tendo-os como referências de si próprios.

  • Existem vários momentos no desenvolvimento, bem como existem diferentes domínios em desenvolvimento, pelo que se torna fundamental percebe qual é o momento de desenvolvimento e que domínios estão envolvidos em determinado período da vida dos nossos filhos, para podermos organizar as exigências, as solicitações e as expectativas em função das suas competências, necessidades e interesses variados.

  • As competências intelectuais dos nossos filhos são modificáveis, portanto é necessário ser otimista em relação a essa modificabilidade e estimulá-la, procurando sempre afastar qualquer ideia preconcebida que limite a nossa crença otimista na riqueza intelectual dos nossos filhos.

  • A atividade intelectual dos nossos filhos pode pois ser comparada ao fluxo de água de um rio que é capaz de se adaptar às características do terreno, moldando o seu leito de acordo com o solo e não tendo uma forma constante, o que lhe permite ser modificável e adaptável de acordo com cada configuração específica de terreno.

Mas o que se verifica na maioria das vezes é que esse fluxo de água [atividade intelectual] é dificultado, pois é desviado do seu percurso natural e é orientado por forças exteriores que, de um modo deliberado, se organizam contra o fluxo natural e decidem quando, para onde e como ele irá correr, sem terem em consideração a riqueza e a idiossincrasia particular do fluxo inicial.

O rio deixa de seguir o seu percurso natural e passa a seguir um percurso que lhe é imposto, tal como a atividade intelectual dos nossos filhos deixa de seguir o seu desenvolvimento normal, mais rico e enriquecedor, para ser orientada por forças que contrariam essa riqueza pessoal, se esquecem dela e se organizam para metas que nada têm a ver com as particularidades das nossas crianças.

 

Para saber mais sobre inteligência:

Feuerstein, R. (1980). Instrumental Enrichement - An Intervention Program for Cognitive Modificability. Baltimore: University Park Press.

Gardner, H. (1983). Frames of Mind - The Theory of Multiple Intelligences. United States of America: BasicBooks.

Sternberg, R. J. (1990). Mas Alla del Cociente Intelectual. Bilbao: Editorial Desclee de Brouwer, S. A..

 

 Artigo escrito por Vitor Cruz e publicado pelo Sei – Centro de Desenvolvimento e Aprendizagem

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