Controlar Birras vs. Gerir Crises

Costumam ser confundidas, mas birras e crises não são a mesma coisa - a cada uma exigem-se respostas diferentes. Importa, por isso e antes de mais, saber distingui-las. O primeiro passo é apurar a respetiva origem para que a ajuda a prestar possa ser bem-sucedida. Identificado o fator desencadeador, o chamado gatilho emocional, mais facilmente se antecipará o comportamento da criança, permitindo assim adotar as estratégias mais adequadas para o evitar. 

Quem nunca viu uma criança a chorar, perturbada, num shopping ou num parque infantil? A maioria das pessoas até compreende a situação e tende a desvalorizá-la na medida em que também já a experienciou com os próprios filhos. Por norma, pensar-se-á que se trata apenas de mais uma birra como outras, mas e se não for assim? E se estivermos perante uma crise emocional? A estratégia para a controlar terá de ser diferenciada e com recurso às ferramentas certasQualquer um dos dois comportamentos representa uma forma de comunicação. Quando chora ou grita a criança está a tentar comunicar algo que a desagrada e o nosso desafio, muitas vezes complexo, é saber descodificar essa linguagem e ajudar a criança a manifestar-se de uma outra forma mais calma e eficaz. 

 

A birra é um comportamento estratégico, controlado, resultante de um momento de frustração e visa alcançar um determinado objetivo, por exemplo, ter acesso a um brinquedo que os pais se recusam a comprar; pode ser interrompida pela própria criança durante alguns minutos apenas para se certificar que está a conseguir o que realmente pretende: captar a atenção dos mais velhos. A birra costuma cessar após a criança ter acesso ao que deseja ou, em alternativa se as pessoas à sua volta não valorizarem a sua forma de chamar atenção . A birra é um acesso de raiva comum e tende a desaparecer à medida que a criança vai crescendo e dando sinais de outra maturidade.

 

Quanto à crise emocional, é um comportamento involuntário do qual não tem controlo e que não está diretamente relacionado com a vontade de atingir alguma coisa específica. Isto é, não depende de algo. Nem precisa de plateia. É uma descarga emocional ou sensorial. Uma reação do corpo a ser sobrecarregado quando há um excesso de informação a ser processado pelo cérebro. Por exemplo, uma explosão de cor, imagem, som e cheiros num parque infantil podem ser estímulos fortes o suficiente para desencadear uma crise devido à incapacidade de o cérebro processar tal avalanche de informação. São reações mais extremas do que acontece nas birras. 

 

Experimente estas dicas para tentar controlar as birras da criança: 

 

1. Combine um sinal para verbalizar a frustração

Converse com a criança sobre o sentimento de frustração. Procure que ela entenda o seu ponto de vista. Pergunte se há alguma ajuda que lhe possa oferecer. E, em seguida, experimente criar um sinal para a criança usar quando se sentir frustrada, por exemplo, puxar o lóbulo da orelha. Mostre-lhe o que poderá fazer para se acalmar logo que o sinal for ativado.

 

2. Disponibilize um espaço calmo

Encontre um lugar tranquilo ao qual a criança possa recorrer sempre que se sentir descontrolada. Por exemplo, pode ser simplesmente uma cadeira onde gosta de se sentar. Explique que este é um espaço para se acalmar, não um espaço de punição. Nos momentos de frustração, logo após puxar o lóbulo da orelha, poderá recorrer a este local pré-determinado para fazer uma pausa e respirar.

 

3. Identifique a origem da birra 

Usar um sinal ou ir para um espaço calmo nem sempre resolve o problema. Se não está a conseguir evitar uma birra, tente descobrir a respetiva origem que lhe está associada. Conhecer a fonte do problema torna mais fácil encontrar as ferramentas certas para ajudar e assim evitar novos episódios de frustração e acesso de raiva. 

 

4. Defina as expectativas com transparência

Seja claro sobre como espera que a criança se comporte. Use frases simples que possam ser facilmente interiorizadas: "quando quiseres falar comigo com uma voz mais calma, podemos conversar sobre isso". Esta estratégia oferece à criança uma escolha sobre obter ou não ajuda. 

 

5. Reconheça os sentimentos da criança

A criança pode estar a exagerar nas suas reações, mas isso não significa que os sentimentos dela não sejam reais. Tente ser empático e ajude a criança a dar nomes a esses sentimentos. Por exemplo: "Eu sei que estás zangado porque eu pedi para desligares o jogo no tablet. Eu também fico assim quando tenho que parar de fazer alguma coisa divertida". 

 

6. Não valorize a birra

Às vezes, a melhor reação é nenhuma reação. Talvez a birra seja alimentada pela atenção que a família dá à criança quando tenta controlá-la. Nesses casos, pode ser melhor dar algum espaço, até ela se acalmar. 

 

7. Valorize o autocontrolo das emoções

Sempre que a criança conseguir controlar-se e acalmar nos momentos difíceis não hesite em elogiar. Mostre-lhe tudo aquilo que ela fez de bem para superar o problema. Por exemplo, "eu sei que estavas muito desiludido e foi difícil parares de gritar nas conseguiste encontrar uma forma de te acalmar.  E agora que estás tranquilo podemos conversar com mais calma".

 

Estas estratégias permitirão à criança ter acesso a um conjunto de ferramentas importantes para saber gerir os vários obstáculos com os quais se depara normalmente até aos 5, 6 anos quando são mais propensas a birras. Em relação às crianças que enfrentam crises emocionais, também há forma de as ajudar. Gerir crises emocionais é sempre mais complicado do que controlar as birras. Ajude a criança a recuperar o controlo da situação, mesmo que não consiga impedir que esse descontrolo aconteça: 

 

Antes da crise

 

1. Conheça os gatilhos da criança

Podem ter diferentes origens. E despertar as mais variadas reações que, por vezes, nem são tão obvias. Para algumas crianças, pode ser uma sobrecarga emocional ou sensorial; para outras, algumas mudanças inesperadas, dor ou medo. Conhecer os gatilhos da criança pode facilitar a prevenção de mais crises.

 Preste atenção ao quadro em que se desenvolvem e procure identificar um padrão. Por exemplo, se a criança fica ansiosa antes da escola ou manifesta comportamentos negativos no final do dia; ou se os colapsos acontecem perto da hora das refeições ou da hora de dormir - nesse caso, a fome ou a fadiga podem ser os gatilhos. A crise emocional costuma acontecer em lugares barulhentos e lotados ou mais tranquilos? A resposta a esta e outras questões contribuirá de forma decisiva para ir ao encontro das necessidades da criança. 

 

2. Procure evitar a escalada da crise

Se conseguir perceber os sinais e identificá-los de forma precoce, estará a ajudar a criança a acalmar-se antes que ocorra um colapso total. Os sinais de alerta mais comuns são:

  •  Problemas para pensar com clareza, tomar decisões ou responder a perguntas;

  • Repetir pensamentos ou perguntas;

  • Recusar-se a seguir instruções ou cooperar;

  • Tentativa de bloquear ruídos, visões e outras coisas sensoriais, fugir ou esconder-se;

  • Inquietude;

  • Problemas físicos como tonturas ou batimentos cardíacos acelerados.

 

3. Desvie a atenção do gatilho

A fase de escalada da crise emocional de algumas crianças pode ser interrompida. Ajude a distrair a criança com uma tarefa ou atividade diferentes.

 

4. Seja paciente

 O seu instinto pode ser o de tentar interromper a escalada da crise o mais rápido possível, mas atenção falar rápido e alto costuma ser prejudicial. Ofereça à criança mais espaço e tempo para processar o que lhe está a dizer. Use frases curtas e concretas que eliminem a necessidade de a criança tomar decisões.

 

Durante o colapso

 

1. Faça uma avaliação de segurança

Quando a criança grita e arremessa coisas para o chão, pode parecer uma emergência. Mas isso não significa que seja. A questão a considerar: alguém está ferido ou pode magoar-se?

 

2. Transmita conforto

É preciso experimentar (e se for preciso errar) para saber se a criança quer distância física ou um abraço firme. Manter a sua voz e linguagem corporais calmas é útil em ambos os casos. Mostre à criança que ela está acompanhada mesmo que a situação esteja fora de controlo.

 

3. Ofereça-lhe espaço

Se estiver em público, tente ajudar a criança a mudar-se para um lugar mais silencioso. Se estiver em casa, veja se consegue fazer com que a criança se desloque para um local o mais calmo possível. Se não for possível, peça às outras pessoas à volta para saírem, dando espaço a ambos.

 

4. Diminua o tom

Apague as luzes, mantenha o ambiente sereno e tente não importunar a criança. Se estiver em casa e a criança não puder ou quiser mover-se, afaste-se, mas mantenha-se sempre por perto ainda que fora do campo de visão. Ficar na porta do quarto, por exemplo, pode fazer com que as crianças se sintam bloqueadas.

 

5. Considere um plano pós-colapso

 Comece a pensar na melhor forma para se aproximar da criança e conquistar a sua confiança após o fim do colapso. Se a crise foi desencadeada por uma conversa emocional, afaste esse assunto da conversa. Mais tarde, quando entender que se justifica e houver condições para isso, encontre uma nova maneira de voltar ao tema numa futura conversa. 

 

Após a crise

1. Reserve um tempo para a recuperação

 Depois de se acalmar, a criança pode sentir-se envergonhada ou culpada. Provavelmente também acusará exaustão física. Permita à criança ter algum tempo para se restabelecer.

 

2. Encontre o momento certo para falar

Ajude a criança a entender o que aconteceu. Evite, no entanto, falar do tema logo após o colapso. Deixe a criança recuperar e só aborde o assunto quando sentir que está totalmente restabelecida. Eis algumas dicas úteis para abordar a situação:

  •  Avise com antecedência que pretende falar do tema e assegure-se de que a criança está preparada para a conversa.

  • Seja breve. Falar sobre um colapso pode fazer as crianças sentirem-se mal e retraídas. 

  • Diga o que precisa dizer, mas tente evitar dizer a mesma coisa repetidamente.

  • Certifique-se de que a criança compreende o que lhe está a ser dito. 

  • Pergunte se a criança compreendeu e se tem dúvidas.

  • Se definiu um plano de ação, certifique-se que a criança entendeu o mesmo e tem condições para o colocar em prática.

 

Gerir colapsos e controlar birras requer prática. Nunca se esqueça de aprender a identificar os sinais e ensinar à criança as competências necessárias para enfrentar as dificuldades e melhor responder aos novos desafios.

 

Artigo escrito e publicado pelo SEI - Centro de Desenvolvimento e Aprendizagem

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